Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


31.1.12

Bico de pena (36x29,5 cm)

24.1.12

Parafina e pedra (13,5x16,5 cm)

20.1.12

Óleo sobre tela (40x30 cm)

16.1.12

A pedra da vida



Você gosta de ficar na beira-mar, não é? de bruços, enquanto a onda vai e vem, levando seu corpo de um lado para o outro... Por que ela não consegue te puxar para o fundo? Porque você se segura, se segura com os dedos fincados na areia mole, que é a única coisa em que se pode agarrar...

*

Uma pedra cilíndrica muito alta, de pequeno diâmetro e rigorosamente vertical, com uma face para a terra, outra para o mar. Esta é a pedra da vida.

Em seu topo, equilibrando-se num piso irregular, dez homens circunspectos, barbudos e idosos. Estão diante de uma porta surreal – imaginem uma porta em cima de uma pedra sem qualquer parede! –, fincada na tangente que dá para o mar, e pendida uns vinte graus em direção ao abismo. Isto significa que abrir qualquer fresta dessa porta é o mesmo que se precipitar no mar, o mesmo que lançar-se à morte.

A nobreza se destaca nesse grupo que se aglomera no alto da pedra. São personalidades marcantes, dotadas de grande capacidade intelectual e coragem para enfrentar o penoso destino que os trouxe a esse patamar. Mas parece que agora suas vidas se reduzem a esperar.

Escalar a pedra traz duas dificuldades: a primeira é sua ingremidade; a segunda advém dos tais homens balançarem a pedra para evitar que alguém a suba, além de empurrarem o indivíduo quando este está prestes a atingir o seu objetivo. O indivíduo que desafia esses obstáculos sou eu, e eu sou um rapaz.

Subindo a pedra entendo claramente a analogia deste quadro com a vida; enfrentar adversidades, sustentar-se no limite, alcançar o topo, reconhecer-se entre os grandes homens, divisar então o mar e a terra e se defrontar com a porta da morte. Não conseguiram me deter e aqui estou.

Os velhos, bravos, indagam-me sobre o que faz um menino aqui. Ordenam que eu desça imediatamente. (Não esperava encontrar dois bancos compridos, um à esquerda outro à direita, onde os senhores se acomodam. Parece haver uma ordem, com certa preferência para aquele que se senta mais próximo da porta.) Sou um impetuoso ou um curioso ou um tolo ou um inocente, pois, desajuizado, abro a porta e quase despenco. (Visão de um profundo abismo, com o mar revolto batendo firme nas pedras.) Meu corpo num prolongado instante penso; sustentam-me somente os pés na pedra e meu braço em volta do batente — a mão contrária, agarrada na maçaneta, consegue aos poucos, e no limite do esforço, fechar a porta.

Isso foi demais para eles, estão pra lá de furiosos. Eu digo “espera” várias vezes, mas um deles, impacientíssimo, continua empurrando meus ombros para que eu retorne imediatamente. “Espera, eu tenho uma questão!” Um outro então pondera: “se quer fazer uma pergunta, faça-a logo e desça”. Olho para o rosto de cada um deles, os homens sábios – seriam tantas as questões...

“Espera” – ainda não sei o que perguntar. Mas não me dirijo a nenhum deles; agora entendo que vou encontrar alguém que está lá embaixo da pedra, no lado da terra. Já na mesma beira por onde entrei, olho para baixo no mesmo instante em que me vejo em pé na areia olhando para cima, como num espelho.

– Esperem, só preciso fazer uma pergunta para aquele ali.


Carimbo (18x32 cm)

13.1.12

Rotina


Acendo a vela
silêncio:
música das trevas.





Xilogravura (16x13,5 cm)








12.1.12

Bico de pena (21x30 cm)

8.1.12

Nascimento III



Lugares vazios são cheios de folhas
pedras, pó e vento
mas aqui não existe nem o tempo
só um camelo pasta areia
na beira de um rio absorvido.

Um ponto se aproxima:
o camelo com um feto em cima.
O que me comove ao vê-lo dentro
são seus olhos de astronauta
perdidos numa órbita sem volta.

Vem de longe
(e eu, venho de onde?)
para conhecer no fim
o começo do verbo
ou, ao inverso
encontrar no início
o fim do universo.



Parafina (alt: 29cm)

1.1.12

Parafina (25x20 cm)
Bico de pena (21x29,5 cm)