Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


30.9.12

Dia de Visita

 

O cemitério do Araçá
seria um hospício,
por uma fresta eu espio. 

Dia de visitas:
para alegria dos loucos
somente animais de estimação. 

Muitos cachorros, alguns gatos
e, qual minha surpresa,
aquele abraça uma ovelha!
 
 
 
 
 

28.9.12

Real Fantasia 
 
 
Estava mais triste que de costume, fui pra cama sem qualquer futuro. Rezei o pai-nosso com especial fervor, me encolhi debaixo do acolchoado e esperei o sono. Não percebi que dormia quando por acaso a sola do meu pé tocou uma coisa quente, outro pé, como cri. Sonhava, é claro, mas tinha a sensação plena de estar acordado. Era gostoso aquilo, um pequeno pé, pé de mulher evidentemente. Meu sonho materializava o grande desejo de ter uma companheira, alguém que dormisse todas as noites comigo. Mas, Deus meu, não era sonho não, meus olhos estavam abertos e viam detalhadamente o quarto escuro, a réstia de luz na veneziana, a sombra das roupas no chão - e a sola do meu pé roçava o pé de uma mulher! Usava meia. Não queria me mexer, tinha medo de despertar ou, caso estivesse acordado, que a doce sensação simplesmente desaparecesse. A verdade é que os minutos passavam, e um sonho não duraria assim igual, retilíneo, sem nada acontecer. A curiosidade crescia, precisava saber se atrás de mim havia algo mais que o pé de uma mulher. Minha estratégia foi virar-me lentamente na direção contrária, mantendo até quando pude nossos pés unidos. Claro, para completar o movimento tive enfim que perder o contato e tremi; agora, com o corpo reposicionado, perdido o pé, minha mão receava afundar-se no vazio. Todavia, a meu favor, sentia um estranho calor na cama, até mesmo um cheiro de corpo, se não estivesse alucinando – e fui esticando o braço em busca de uma matéria concreta. Era! Havia! Havia uma mulher, as pontas dos meus dedos tocaram uma cintura – ela existia, ou o sonho continuava... Pousei então a palma da mão e conclui que meu fantasma estava de costas, com uma roupa fina, decerto uma camisola. Uma alegria adolescente me invadiu, um frisson: uma mulher dormia comigo, na minha cama! Permaneci imóvel; qualquer gesto precipitado poderia dissipá-la. E estava tão bom assim, pra que mais? Ora, isto não se sustentava, meus instintos impulsionavam-me a continuar, e me peguei mexendo os dedinhos, descendo, centímetro por centímetro, até atingirem os primeiros sinais de uma pele de coxa. Oh não, que encanto, então usava uma camisola curtinha e oferecia pra mim a nudez das pernas! Lembrei de conferir novamente aquele pé que de fato continuava no lugar, o que me serviu para esboçar um quadro bastante razoável de como estaria vestida: camisola miudinha, meias e... será?... nossa senhora, posso?... não, não, devia esperar, nem minimamente a conhecia, precisava antes me inteirar de seu corpo como um todo. Seria gorda, magra, menina, senhora? Vamos lá. Retornei a mão na posição inicial e recomecei a exploração aos poucos pela barriga. Ora, ora, gordinha, mas durinha! Virei a esquerda, devagar, e me deparei com a protuberância de um seio. Vige! Fugi de pronto, recolhendo a mão de novo na cintura. Mas a mão, danada, voltou por si a procurar aquele seio, onde chegou hesitante, entre tocar e recuar, como um gato medroso. Enfim, evidentemente, pousei a dita em cheio no côncavo e conheci toda a sua extensão. Que grandeza! Então..., ixe, biq... o bico, o biquinho! Aquilo mexeu comigo, me excitou de súbito. Colei meu corpo – ê tesão! –, todo ele encaixado! Tirei a ceroula para sentir as pernas. Quanto tempo! A excitação precipitava os gestos, a mão descontrolada alternava-se entre seios e coxas, mas ainda não atrevia: estaria nua ou de calcinha? Devagar, calma, era preciso se conter. Lentamente, ao deslocar a camisola, meus dedos sem querer resvalaram na alça do pano: calcinha! Oh, oh, eh! que gracinha! Mandei ver; a mão agora apalpava sua bunda, no instante seguinte invadia a zona proibida, eu havia de fato perdido o controle. Recompus-me, cheguei até a me afastar um pouco. Meu coração batia sinos. Quem diz que posso? Eu a conheço? Ela me quer? Mas se está na minha cama... E, além do mais, tudo podia ainda ser um delírio – porque a hipótese de sonho estava descartada. Contudo, se for uma fantasia, seria completamente minha. Caso não fosse, então ela me quer; ninguém me condenaria por tocar uma mulher que, existindo ou não, oferece-se a mim em meu próprio leito. Voltei à caça. Mão direto na bunda. Jamais experimentara nada igual, aquela pele lisa conduzia-me para o interior e, de repente... pelinhos! os pelinhos do cu. Não podia mais, aquilo era demais. Baixei de supetão sua calcinha, no que fui, ao que parece, até ajudado. Não, engano; continuava imóvel. Ali, ladeira abaixo, os pelos avolumaram-se, úmidos, vivos – era uma mulher e me queria! Preparei-me atabalhoado para a penetração, a posição não favorecia; agarrei-a então com firmeza, sem qualquer cuidado, não podia mais, se não fosse real já teria sumido, mas não, era de carne pura e funda e macia e perfumada...
 
Amei, amei, amei. Nenhum astronauta foi mais longe. Suei tanto que precisava me livrar da coberta, entretanto, mesmo diante de tamanha evidência, ainda restava qualquer temor de que o encanto se quebrasse. Porque queria mais. Não conseguiria agora simplesmente fechar os olhos e dormir, como se nada tivesse havido. Quanto tempo eu não experimentava uma mulher! E se ela fosse embora? Melhor não tirar o acolchoado. Queria mais, e meti a mão novamente no buraco. Foi quando ela se virou e disse impaciente:
 
– Agora chega, Zé! preciso acordar amanhã cedinho.



25.9.12

Guache (35,5x25,5 cm)

22.9.12



Barro (alt:14 cm)

17.9.12

Guache (24x31,5 cm)

13.9.12

Pureza, solidão  (a canção)
                                                             (melodia de Paulo Neves) 

Às vezes cega a psique
E pega no coração
Consome todo o espírito
Não crê na própria razão.

Qual é o nome da origem?
Qual é a graça da dor?
Em tudo a cara da esfinge
Em nada encontra valor.

Deus deu a uns a pureza
e a outros a tarefa de se purificar.

Parece que está chegando 
Mas a distância aumentou
Não sabe nem desde quando
Repete-se o que passou.

Deseja ser como todos
Que andam no mesmo chão
Muda seu passo de novo
E nova bifurcação.

Deus deu a uns a pureza
e a outros a tarefa de se purificar.
 
 
 
 
 
 
 
 

11.9.12

7.9.12

Aquarela (40x30 cm)

4.9.12

Pureza, Solidão 
 
 
O camelo pastava areia na beira do rio absorvido e me mantinha entretido com seu olho que se mexia enquanto eu flutuava em sua órbita.

Durante o dia eu vivia como rei do Saara no alto do sofá de napa de onde eu nada via além do camelo pastando.

Tinha medo do oco poço que havia atrás do meu trono de napa e se abria de madrugada quando o ar do reino parava e além disto vibrava com estranho magnetismo.

Então era grande o risco de tudo ser tragado pelo poço pois sabia que por mais que eu vigiasse o sono me pegaria, e de repente:

Eu era puxado pelos pés, agarrava-me à cama, parede, mesa, bufê, mas tudo ficava mole e torto e pouco a pouco chupado pelo poço que me queria atrás do sofá de napa.

Uma mulher chamada mãe, porém, aparecia (tudo voltava ao lugar), passava ao lado do menino vário e ralhava de soslaio:

Que mania de viver sempre tombado!

Eu não podia explicar o que ela não iria entender. 

* 

O medo veio muito depois junto com o tempo que também começou depois.

Que o nome dela era mãe, eu sabia, como o nome pai e nome irmãos

Mas só depois nome mãe virou a mãe

Nomes do mundo, o mundo

E o nome medo, o medo.

Quando conheci a alegria e a tristeza foi fácil dizer: lá não havia alegria.

Mas nunca fez falta porque sempre esteve ausente

Como eu não sentia medo porque nunca esteve ausente.

Hoje eu fumo charuto sem saber o que ganhei ou perdi no dia em que fomos embora daquela casa.
 
* 

Quando a carroça estava cheia e um homem me ajudava a subir

O cavalo me olhou com um olho que ria da minha cara

Do meu jeito de escalar as malas com a mão segurando o calção que insistia em cair.

Enfim me instalei no ponto mais alto para esperar aquilo que chamava mudança

Que viria a ser um vendaval de nomes

Nome para cada grão do meu deserto de areia.

O cavalo então moveu o ar que moveu o ar e o vento

Ardia meu rosto e varria-me por dentro.

Com medo da escuridão eu arregalava os olhos que logo cerrava para não ver a luz

Mas esbugalhei-os definitivamente no momento em que me invadia uma sensação

Coisa que era um sentimento, o primeiro sentimento que eu tinha

que foi simplesmente sentir que sentia.

Ao fim da travessia aprendi o ruim da vida

Na imagem que eu vi

Do meu pai e minha mãe rindo de mim. 

* 

O medo paira, gira, some, volta, está aqui, vejo, se quiser pego...

Aquela pessoa mãe antes já era mãe que hoje em dia para mim antes não era

E os irmãos que não eram, eram

E a formiga que não andava, andava

E o tempo que não existia, passava.

Hoje sei das coisas e dos nomes de tudo

Labirinto, relatividade, memória, perdão, culpa, Deus e a parte que me cabe nesse latifúndio.

Se hoje quando cheguei em casa foi difícil abrir a porta e entrar na sala vazia e subir as escadas com as pernas duras para escrever palavras sombrias

Sei que o medo é o mesmo que no meu Saara eu não sentia

Mas agora dói demais porque sei sentir.

Não tenho tendo mais o pai que tive e não tinha,

Pai acabou como a chuva termina

Mãe, como duração de um gosto de bala

Resta-me destilar a pureza dos nomes trás os montes de nadas.

Desço as escadas vejo minha filha dormindo e procuro amar as perguntas que me dividem:

Como recomeça? Como se livra? Como se anima? 

* 

O camelo vem

mansinho, aproxima-se

de um velho sozinho.

Seu olho agora é um olho egípcio

girando em órbita

em torno...

 (de quem?

de mim... de quem?)

de mim.

Para, vai

está aqui, acolá

ri

agora sumiu...

Vai voltar...

(em torno de quem?...)

não vai...

vai...

se es-

vai...
 
 
Parafina