Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


27.8.11

A Discussão



A discussão chegou ao ponto de um dizer:
– A morte tem hora marcada, aquela na qual termina a missão de um homem.
O outro, já fora de si, puxou a faca, avançou em cima e retorquiu:
– A morte é obra do acaso! Pois eu te mato agora, seu místico de merda, e como poderás terminar tua missão?
– Se me matares agora, a morte usará tua mão para asseverar que minha missão está completa; se falhares, a razão não será outra senão a necessidade ainda de ter de completá-la. De uma forma ou de outra, terás de concordar comigo.
– E como isso me provaria, se não sei, e nem tu sabes, qual a tua missão?
–Tens razão: se morro, jamais saberás o destino da minha missão; se me deixas vivo, terei um tempo indefinido para concluir a tarefa – e tu não estarás a meu lado para conferir.
– Esta hipótese não existe. Eu vou te matar e provar a mim – e é só o que me interessa – que a morte é obra do acaso.
– Isso apenas fará com que concordes imediatamente comigo, pois logo compreenderás que parte crucial da tua própria missão era matar-me e assumir as consequências do ato pelo resto de teus dias.
Diante desse argumento, houve uma pequena pausa, interrompida pelo primeiro:
– Estúpido. De nada importa saber se temos ou não tal missão; deverias me questionar quanto a vantagem de tê-la, caso haja.
– Agora tu tens razão. Pois então te pergunto: o que ganhas com tua ideia que eu perco com a minha?
– Aqueles que têm a capacidade de conhecê-la caminham pela vida sem medo, pois estão acompanhados pelo seu destino.
– Sim, sim, agora entendo tudo muito bem e agradeço por teres me ajudado decidir pelo que deve ser feito.
E alçando a mão para o alto, desferiu-lhe um golpe rasante na altura do pescoço, quase arrancando a cabeça do outro fora.
– Missão ou não, medo pra mim não é a questão.


Nanquim e guache (22x27,5 cm)

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