A pedra da vida
Você gosta de ficar na beira-mar, não é? de bruços, enquanto a onda vai e vem, levando seu corpo de um lado para o outro... Por que ela não consegue te puxar para o fundo? Porque você se segura, se segura com os dedos fincados na areia mole, que é a única coisa em que se pode agarrar...
*
Uma pedra cilíndrica muito alta, de pequeno diâmetro e rigorosamente vertical, com uma face para a terra, outra para o mar. Esta é a pedra da vida.
Em seu topo, equilibrando-se num piso irregular, dez homens circunspectos, barbudos e idosos. Estão diante de uma porta surreal – imaginem uma porta em cima de uma pedra sem qualquer parede! –, fincada na tangente que dá para o mar, e pendida uns vinte graus em direção ao abismo. Isto significa que abrir qualquer fresta dessa porta é o mesmo que se precipitar no mar, o mesmo que lançar-se à morte.
A nobreza se destaca nesse grupo que se aglomera no alto da pedra. São personalidades marcantes, dotadas de grande capacidade intelectual e coragem para enfrentar o penoso destino que os trouxe a esse patamar. Mas parece que agora suas vidas se reduzem a esperar.
Escalar a pedra traz duas dificuldades: a primeira é sua ingremidade; a segunda advém dos tais homens balançarem a pedra para evitar que alguém a suba, além de empurrarem o indivíduo quando este está prestes a atingir o seu objetivo. O indivíduo que desafia esses obstáculos sou eu, e eu sou um rapaz.
Subindo a pedra entendo claramente a analogia deste quadro com a vida; enfrentar adversidades, sustentar-se no limite, alcançar o topo, reconhecer-se entre os grandes homens, divisar então o mar e a terra e se defrontar com a porta da morte. Não conseguiram me deter e aqui estou.
Os velhos, bravos, indagam-me sobre o que faz um menino aqui. Ordenam que eu desça imediatamente. (Não esperava encontrar dois bancos compridos, um à esquerda outro à direita, onde os senhores se acomodam. Parece haver uma ordem, com certa preferência para aquele que se senta mais próximo da porta.) Sou um impetuoso ou um curioso ou um tolo ou um inocente, pois, desajuizado, abro a porta e quase despenco. (Visão de um profundo abismo, com o mar revolto batendo firme nas pedras.) Meu corpo num prolongado instante penso; sustentam-me somente os pés na pedra e meu braço em volta do batente — a mão contrária, agarrada na maçaneta, consegue aos poucos, e no limite do esforço, fechar a porta.
Isso foi demais para eles, estão pra lá de furiosos. Eu digo “espera” várias vezes, mas um deles, impacientíssimo, continua empurrando meus ombros para que eu retorne imediatamente. “Espera, eu tenho uma questão!” Um outro então pondera: “se quer fazer uma pergunta, faça-a logo e desça”. Olho para o rosto de cada um deles, os homens sábios – seriam tantas as questões...
“Espera” – ainda não sei o que perguntar. Mas não me dirijo a nenhum deles; agora entendo que vou encontrar alguém que está lá embaixo da pedra, no lado da terra. Já na mesma beira por onde entrei, olho para baixo no mesmo instante em que me vejo em pé na areia olhando para cima, como num espelho.
– Esperem, só preciso fazer uma pergunta para aquele ali.
 |
Carimbo (18x32 cm) |
Nenhum comentário:
Postar um comentário