Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


15.8.12


Relatório Final       (segunda versão)



Não havia homem algum na cidade
A lua desceu literalmente no jardim
Olhava encantado o relógio de carrilhão
Ninguém me achava no meio do capim

Onde a Araneae fazia teias entre os vãos.

E aquilo no céu era mesmo um tornado
As matracas acabaram com as flores do ipê
Pensar que estava preso na viatura
Dois vidros separavam eu do meu bebê

Desde o começo ela foi prematura.

Joguei 90% dos trabalhos no lixo
Uma bruxa de repente escancarou a janela
Cheguei de viagem, ele tinha morrido
Brochei quando a mina apagou a vela

Que iluminava seu corpo bonito.

O grande banquete era porco com pêlo
Enfim se rendeu e me deu sua mão
Nomes como Neniné, Mandichole, Luz-quebrada
Quem nos recebeu foi um pastor alemão

Minha juventude teve sua graça.

O bem que eu sentia nas piscinas geométricas
Roubou minhas figurinhas atrás da parede
Depois do casebre, a floresta amazônica
Esperei seis meses deitado na rede

Com o dia-a-dia repetindo sua crônica.

O corcunda tocou no meu pinto na nave da igreja
Escureceu e virou um labirinto de dunas
Deitado na cama com o radinho de pilha
À noite o povo punha os colchões nas ruas

E as mulheres teciam balaios de palha.

As andorinhas escureceram o dia mais cedo
Era um menino contando os balões
Me entregaram o móbile todo destruído
Foram mais de três horas cantando canções

Num palacete imperial quase ruído.

Naquele cubículo fui um grande pintor
E eu nem sabia o que era personalidade
Saiu um urubu do bumbum do cavalo
Eu e ela curtimos a senhora tempestade

Deitados no chão da casa da Amaro.

Pobre querido ateliê cheio de esperança
Ainda hoje sonhei novamente com o vulcão
Mico e jogo de varetas de presente de Natal
A gata era ela uivando de tesão

Enquanto eu fazia tai-chi no quintal.

O caixão não passava no corredor
Me afogava com a bóia presa aos pés
O silêncio foi a melhor despedida
A primeira palavra que falou foi Zezé

Até hoje a família não acredita.

Enfiaram um lápis no cu do Viana
Crianças também tomavam a auasca
Saí desatinado quando o jogo acabou
Depois da feira, me tranquei em casa

Já sofri o pão que o diabo amassou.




Bico de pena (29,5x21 cm)


Um comentário:

Anônimo disse...

Li de novo e tive uma outra impressão depois da nossa conversa.
Gostei mais!
É muito bom esse poema! Gostei mesmo!