Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


30.3.11

Paulo Neves me enviou esse poema e me propôs colocá-lo ao lado do meu poema Didi, pela surpreendente semelhança de forma e conteúdo. Fiquei de fato admirado, é belíssimo. Didi está postado logo abaixo.

Pausa         de Eamon Grennan


O estranho e contido silêncio da vizinhança
pouco antes do ônibus escolar trazer as crianças da vizinhança
para casa no meio da tarde fria: um momento de simples
espera, antecipação, antes da eclosão de alguma coisa,
quando tudo parece justo, parece justificado, à
espreita, prestes a acontecer, e na tua mente vês
luzes cintilantes que piscam, de âmbar a escarlate, e tua filha
de jaqueta azul e chapéu safira com franjas brancas
descendo com cuidado, voltando ao nosso mundo, correndo
pelo silêncio e a relva gelada enquanto a porta do ônibus fecha suspirando
e a porta da frente da casa se escancara e ela te encontra
ali, pai-à-espera, o silêncio em pedaços
e a rotina restaurada assim que te curvas para tocá-la,
para apanhar seu chapéu e casaco do chão
onde ela os largou, ouvir sua voz viva ocupando
cada fresta. Na pausa, antes que tudo isso aconteça, percebes
alguma coisa sobre a forma da vida que escolheste viver,
entre o silêncio de possibilidade quase infinita e aquela
explosão das coisas como elas são – as vastas, incontestáveis
intromissões de amor e desastre, ou apenas as roupas
de inverno de tua filha casualmente espalhadas no chão da entrada.


(Tradução de Maria Lúcia Milléo Martins)

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