Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


18.5.11

Modigliani


Nu, de bruços, deitado nas almofadas.
A pele rosada contrasta sobre tons marrons.
Uma beleza que não esquece nenhum vão.
Numa posição da mais nobre indecência.
Sabe-se que é homem, mas a imagem desmente.
Quando um homem chega ao limite da mulher.
Mas isso não interessa.
Meus olhos em sua bunda e eu penso: por quê?
O que retém a bunda, uma bunda, mas esta bunda?
Que me encara como se fosse olhos.
Seus próprios olhos agora me chamam, mas em vão.
Um mundo separa seu sim e meu não.
De onde estou, posso imaginar:
Que era madrugada.
Havia silêncio.
E não era caso de amor.
Apenas aquela questão diabólica da beleza.
Quando se entrega a vida na obcecação.
E o outro cara era pintor.



Grafite (19x28 cm)

Nenhum comentário: