Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


28.11.12


Ou
 
 
Ou não me conheço
Ou estou com febre
Ou me aproximo
Ou não tem sentido.
 
 
 
 
 

22.11.12


Resposta         (segunda versão)
 
 
Quero sentir o sabor da pinga
que um cara me serviu em Caratinga
"é pura, de cabeça, envelhecida etc."
de fato, nunca bebi uma dessa.
Trouxe um litro pra São Paulo
mas aqui a pinga tinha gosto de álcool
o que me deixou surpreso, ou quase
pois logo entendi a metamorfose:
este sabor é de dia paulista
este sabor é de rotina
o gosto mudou porque a pinga
sente a falta de Minas
porque até a pinga é viva
e chegar numa cidade cheia de conhaque
whisky, vodca e vinho importados
não é fácil para um pobre destilado.
 
Isso posto, doravante
não quero saber de nada que fuja à ordem da natureza
daquilo que nela é fugaz ou permanente
que no ser fugaz me ensina a seguir
e no ser permanente, o essencial.
Digo isso de um modo geral para que se entenda
porque não quero nada com o novo
a ideia do novo me aborrece demais.
O que escrevo é e sempre será
banal, comum, reconhecível
porque me esforço por me aproximar
por me assemelhar
por amar as coisas à minha volta
e com elas me distrair e por elas me entregar
a um movimento casual e religioso
- como encanar com uma folha de quaresmeira
que hoje encontrei junto ao telefone da delegacia
e que se parecia com outra folha
que fotografei ali mesmo outro dia.
Perguntei: meu Deus
aquela era verde com manchas vermelhas
esta, vermelha com manchas verdes;
será que o tempo transformou a primeira
ou terá caído uma outra no mesmo lugar?
Me importa esta diferença
mas a verdade mesma, o que importa?
 
Preciso ver as marcas do tempo nas coisas
(não seria isso a beleza simplesmente?)
então eu saio nas ruas e fico contente
quando observo o paradoxo das transformações
e as confusões do homem em nomear a matéria alterada;
quando a casa é ruína?
quando a folha é sujeira?
quando a menina é mulher?
(Minha mulher não tem idade definida
e me encanto com sua ambiguidade
de beleza de jovem madura
de inocência de velha menina.)
(Isso me faz pensar em mim mesmo:
onde estou? a que ponto do fim?
a que distância do começo?)
 
Escrever vale mais que o escrito
eu gosto de usar muitas palavras
porque não sei definir aquele homem-menino
esperando o caminhão vir buscar sua barraca de laranja.
Olhe, antes, é preciso que eu diga:
não gosto de poesia
nunca tive paciência com abstrações poéticas
nem com arte refinada de espécie alguma;
para mim, a poesia simplesmente vaga
como alma penada em busca de um corpo
e naquele dia encarnou naquele garoto.
Não que ele fosse puro, belo, sábio
-- na verdade, nem vi sua cara
se era japonês, se estava feliz...
Era poesia e só
e na hora não notei
– na hora eu parecia um aloprado caçador de formas poéticas
procurando o melhor ângulo para fotografar
uma uva solta no asfalto –
(mas agora vejo tão bem)
aquele menino-homem
sozinho, domingo, três da tarde, rua deserta
sentado na sarjeta esperando o caminhão
com o corpo inclinado tocando o chão com os dedos
como se tivesse encontrado algo ainda menor que a minha uva...
e nem precisasse fotografar...
 
É por isso que eu digo:
se a ideia do transitório está na moda, foda-se
porque com ela aprendi tudo o que sei
sobre seu fio ilusório é que procuro equilibrar-me,
entre um crepúsculo subindo do oco da terra
e uma alvorada, sempre à frente, caindo do céu.
Por isso o passarinho continua lindo
e a morte, desfilando ao leu como dama da noite
e a vida, como a puta do dia
e Deus em cima da pinta me dizendo:
ora você pensa que de você Eu quero muito
ora que quero pouco
mas a medida é menos que seu muito
e mais que seu pouco.
(Estas palavras não me enganam
estão cheias de orgulho e vaidade.
Como quando ouço dizer
que o homem é um grão de areia
dito com a arrogância do mármore.)
 
Poeira. Canta o passarinho já.
Pegue seu caso: você escolheu sua mulher
porque diferente das outras
mas quando a conheceu de perto era igual.
Se passou desse ponto e mergulhou mais fundo
encontrou de novo a diferença e tocou o essencial.
Se penetrar ainda mais em seu espírito
poderá se deparar com nova semelhança
num lugar e tempo
que são todos os lugares e todos o tempos
iguais.
Verá que a eternidade está a seu lado
na sua mulher, nas coisas, em tudo.
Quem sou eu pra dizer isso?
De que serve saber? E o que me importa?
Só me importo com isso
e esta é a minha resposta.
 
 
 
 
 

20.11.12

12.11.12


Minha Avó
 
 
Quero minha avó Nharinha
Eu chegava em Itapetininga
Ela está fazendo rosquinhas.
 
Saudade da rosquinha quente
Com café claro, no banco da cozinha
Conversando sobre as galinhas.
 
Conta que a próxima é aquela
Sabe como quebrar a goela
Ninguém fazia melhor ensopado.
 
Pena que ficará cega
Trocou a TV pelo rádio
Sempre atenta ao noticiário.
 
Se sabe que o tempo evapora
O carrilhão batendo as horas
Nós dois fomos embora.
 
 
 
Parafina
 

 

11.11.12

Guache (29,5x21 cm)

10.11.12

Guache (22x16 cm)

9.11.12

Guache (22x16 cm)

8.11.12

Guache (22x16 cm)

7.11.12

Guache (22x16 cm)

6.11.12

Guache (22x16 cm)

5.11.12

Guache (16x22 cm)