Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


18.12.12


Natal
 
 
Ninguém no alto do morro
eu me ponho bobo a rezar:
meu Deus, me dê um sinal
meu Deus, fale comigo
eu estou tão perdido
nesta noite de Natal...
 
Como um milagre ao avesso
tudo brilha ainda mais real
na pele prata dos paralelepípedos,
enquanto nuvens em reboliço
anunciam uma tempestade
que lembra a pintura do Bruegel.
 
Dois pios: um pio e seu eco
— e uma gaivota na escuridão
rasa sobre mim. Nada não.
De repente um calafrio
— gaivota não voa à noite!
Era uma aparição.
 
A ave volta e para pênsil
e eu levito suavemente tenso;
ela sobe e eu desço
feito uma gangorra
ela vem e eu vou
feito um pêndulo.
 
Ou como se valsássemos em silêncio
sobre os telhados da cidade...
porém,  a velocidade da pomba guia
lança-me num vácuo imenso
como se o pêndulo rebentasse
no ponto extremo.
 
E sou chupado por um tufão
e tragado por suas entranhas
em turbulentas contrações;
esmagado, esticado, destruído
observando no último minuto
que acabo nas tripas do infinito.
 
(Não foi bem assim
a duração e o sentido.
Era a minha vida revista
em reviravolta no redemoinho;
toda ignorância, toda mesquinhez
toda arrogância do caminho.)
 
Quando desperto
tenho o corpo torto e virado
deslizando para um  flanco
onde a refrega é mais fraca
e por ali vou saindo e caindo
de cabeça numa praia.
 
Esfolado pelo tombo
sinto a brisa arder meu rosto
um ardor delicioso de sentir;
estou vivo, fui indultado!
mas sem passado ou futuro
pra onde ir?
 
Entro numa casa vazia
sento num degrau, cansado
e assisto aos atônitos veranistas
reparando estragos de uma tempestade
despropositada e desproporcional
que estragou a noite de Natal.
 
 
 
 
 

2 comentários:

Unknown disse...

A pele do paralelepípedo,
A praia
A gaivota noturna
Estrago de natal
Linda representação de "estado de espírito"

Unknown disse...

Que foto linda!
De onde é Zé?