Nessa página de vidro pretendo simplesmente fazer caber a minha vida. Talvez falte, talvez sobre espaço, conforme o tamanho da vida em questão. É claro, estou chamando de vida o restrito departamento do trabalho. Mas a palavra cabe, se o trabalho tiver sido realizado com profundo amor. Chamamos um filho, algumas vezes, de minha vida. Talvez a produção artística tenha uma dimensão semelhante, por pobre que seja; a obra nasce de um estreito relacionamento com um Outro que reside dentro de nós, e é grande o esforço de gestação. Se o fruto não servir pra nada, a culpa não é dele, nem do autor, nem do Outro; foi com amor e esforço também que a natureza criou alguns homens, vermes e cascalhos, que deixariam perplexo quem buscasse neles um sentido de existência.

Dentre as qualidades dessa página de vidro, destaco sua transparência. A luz aqui pode entrar e sair, ser vista de frente – por mim – ou por trás – onde estão vocês. No salão informal desse espelho vazado, todos convivem de livre e espontânea vontade. Um trabalho apreciado com tal intimidade e por tantos lados se aproxima de sua razão de ser.

A página inicial não trará novidades da semana, como costuma acontecer nos verdadeiros blogs, mas conteúdos que semanalmente espero dispor em destaque, retirados dos livros e desenhos organizados no interior do blog. Poucos gostam de ler tantos contos ou poemas ou peças, ou ver tantas imagens; nessa página primeira, a maioria dos visitantes poderá ter um panorama do meu trabalho – e logo desistir, se for o caso. Portanto, somente nas páginas internas se encontrará a totalidade daquilo que quero expor.

De resto, o blog se explica por si mesmo. Vocês encontrarão nesses primeiros meses setores incompletos, por conta da cansativa revisão de todo o material, da produção das fotos de esculturas e baixo-relevos e pelas próprias dificuldades técnicas dessa mídia, tão comum às pessoas, mas estranha a mim.


10.7.12


No Exato Instante...



No exato instante que eu morrer
O tubo da pasta de dente estará quase cheio ou quase vazio
A talha estará quase cheia ou quase vazia
O botijão de gás quedará no seu canto sombrio
Sobrará a louça de ontem na pia
Certamente um tablete de manteiga na geladeira
Contas a pagar, um trocado na carteira
Cândida, desinfetante e Veja na despensa
E livros inacabados sobre a mesa.

No exato instante que eu morrer
A luz ficará acesa ou apagada
A água na torneira me esperará retesada
O telefone tocará mais cedo ou mais tarde
Nas gavetas, restos de cola, etiqueta, band-aid
Dentro de uma caixa haverá uma bolinha de gude
Na mesa da cozinha restará um grude
No meu estômago, a última refeição
E o corpo tombado estará sujo ou não.

No exato instante que eu morrer
Será em meio a uma ideia ou um delírio
Meu espírito encontrará a paz ou a paz, meu espírito
Cigarrilha acesa, uma sensualidade ainda sentida
Uma dor de cabeça, um cansaço do dia ou da vida
Sorrirei diante do amargor previsto
Ou, ao contrário, me surpreenderei com o sentido
Ouvirei um bem-te-vi ou um sabiá, um canto de estiagem
Estarei em mim e já acolá reparando a passagem.



Nanquim e guache (29,5x19,5 cm)

3 comentários:

Anônimo disse...

Nó na garganta.

Nik Neves disse...

Uma mensagem vai seguir silenciosa e sem resposta.

Anônimo disse...

Adeus querida, gostaria de tido mais contato com você. Sempre te admirei.